Diretor da PF defende penas mais duras contra autores de incêndios
Para combater os incêndios que assolam o Brasil de forma eficaz, "as penas contra os crimes ambientais precisam ser revistas" para endurecê-las, afirma Humberto Freire, diretor da Polícia Federal responsável pelo Meio Ambiente e pela Amazônia, em entrevista à AFP.
O fogo que há semanas se espalha da Amazônia até as regiões de São Paulo e Rio de Janeiro se propaga com facilidade devido a uma seca excepcional relacionada em parte ao aquecimento global, segundo especialistas.
Mas a sua origem reside principalmente na "ação humana", afirma o governo.
Os incêndios são muitas vezes uma consequência da atividade agrícola e da prática tradicional de queimadas para limpar pastagens ou áreas desmatadas. Esse costume, que em tempos normais só é permitido com autorização prévia, foi formalmente proibido no Brasil neste período de seca.
Mas Freire também aponta para o "crime organizado", que "tenta aproveitar o momento de grande período de estiagem para limpar áreas, para tentar um crime subsequente, porventura, de grilagem daquela terra" queimando vegetação nativa para transformá-la em pastagens.
Os satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) detectaram 61.572 focos de incêndios no Brasil desde o início de setembro, número que supera em muito o total de todo este mês registrado no ano passado (46.498).
PERGUNTA: Quais são as principais motivações por trás dos incêndios criminosos?
RESPOSTA: "Existe a questão de viés econômico, a questão de aproveitar o momento de grande período de estiagem para limpar áreas, para tentar um crime subsequente, porventura, de grilagem daquela terra já sendo objeto de reparação.
Há a possibilidade de pessoas quererem realmente ver só o caos. Temos visto e alguns indícios que nos trazem a possibilidade de ações coordenadas. A gente teve diversos desses incêndios que têm eclodido, que têm se iniciado, começando quase que ao mesmo tempo em áreas próximas.
As possibilidades, elas vão até em ações coordenadas para realmente desestabilizar áreas e esse momento que nós estamos passando de mais dificuldade climática se intensificar, até forçar ou esgotar os meios das forças de resposta, os bombeiros".
P: Quantas investigações existem até agora e quantas prisões?
R: "Podemos dizer quer temos mais de 50 investigações no momento, mas o número é dinâmico. E a tendência é que a gente até tenha ampliação desse número, porque nós estamos criando polos de investigação.
Ainda não realizamos prisões no âmbito dessas investigações, embora tenhamos recebido relatos de prisões de suspeitos pelas forças policiais locais".
P: Como explicar essa percepção de impunidade diante da magnitude desses incêndios que de alguma forma atingem quase dois terços do território brasileiro?
R: "O crime ambiental, ao longo dos anos, das décadas, ele foi avançando, ele foi evoluindo e a nossa legislação, infelizmente, não acompanhou essa evolução. E isso não é um problema do Brasil, em nível mundial, a gente tem muitas vezes o tratamento do crime ambiental como se fosse algo de menor importância, ou de menor gravidade, e chegou o momento que a gente precisa se debruçar e ter um debate de entender que os crimes ambientais trazem consequências nefastas para todo o mundo.
Infelizmente, a legislação, por ser branda, às vezes ela não oferece toda a condição legal e meios de investigação necessários".
P: Como acabar com essa impunidade?
R: "A gente precisa fazer um trabalho inicial até de correlacionar o crime ambiental com outros crimes que possam estar conectados, como crime organizado, como a lavagem de recursos, como outros crimes que muitas vezes são conexos ao crime ambiental.
O crime organizado identificou que o crime ambiental tem uma alta rentabilidade e uma legislação, infelizmente, ainda branda, que prevê penas baixas.
Por exemplo, o garimpo ilegal tem uma pena de seis meses a um ano. O crime de incêndio tem uma pena de dois a quatro anos. A depender dos antecedentes e das condições do infrator, ele sequer teria uma pena efetivamente de prisão. A prescrição desses crimes, quando a pena é muito baixa, acontece muito mais rapidamente.
Há um risco de que você faça a investigação, que obviamente tem seu tempo, e quando chegar ao final (...) pode ser que já esteja prescrito e o Estado não possa mais impor nenhuma pena ao criminoso.
Então, há uma série de consequências práticas de quando a pena do crime é em tese prevista muito baixa. A gente entende que realmente essas penas precisam ser revistas."
(V.Sørensen--DTZ)